Sphere Institucional

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jul 11, 2022

Interculturalidade no dia a dia da escola

AUTOR

huia

ASSUNTO

Educação

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E aprendi que se depende sempre De tanta, muita, diferente gente Toda pessoa sempre é as marcas Das lições diárias de outras tantas pessoas

E é tão bonito quando a gente entende Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá É tão bonito quando a gente sente Que nunca está sozinho por mais que pense estar

Gonzaguinha – Caminhos do coração

O texto desta semana traz um relato da Tatiana Queiroz, professora em português do Year 4 da Sphere International School de São José dos Campos. Tatiana foi convidada a contar um pouco sobre um projeto desenvolvido em parceria com a Jatobazinho Pantanal, uma escola que atende a uma comunidade ribeirinha, no Mato Grosso do Sul. As palavras da Tatiana revelam as sensações, a curiosidade e o encantamento das crianças de duas escolas que se descobrem e são marcadas, como diz a canção de Gonzaguinha, umas pelas outras.

Este relato fortalece a certeza de que a interculturalidade se faz no dia a dia da escola, em projetos que se conectam com o a realidade dos alunos, aproximando o currículo de práticas sociais diversificadas, problematizando e abrindo caminhos para a construção de novos saberes.

Projeto de intercâmbio cultural Sphere International School e Jabobazinho Pantanal

Alt text Em 2017, quando o 3º ano foi convidado para fazer um intercâmbio com a Escola Jatobazinho, me encantei rapidamente. Imaginar que meus alunos pudessem trocar histórias de vida e experiências com crianças do outro lado do Brasil, me fez aceitar a proposta imediatamente. Não se perde uma oportunidade dessas: aliar propósitos didáticos aos sociais, permitir que os muros da escola se rompam para que outras vozes sejam ouvidas, sentidas, reverberadas. Naquele momento, já estava capturada pela beleza desse encontro.

Naquela época, trocamos cartas. As crianças puderam falar livremente sobre sua infância, suas histórias, seus desejos. Infância, não. Infâncias. Diferentes sonhos, desejos e realidades foram se revelando naquelas cartas. Perguntas surgiam. Uma delas, me lembro bem: o que você vê da sua janela? A partir dessa questão universos tão distantes se aproximavam. Nas cartas surgiam desenhos. Desenhos que deixavam a nossa imaginação voar longe. Foi muito mais do que um projeto de escrita em que trocávamos cartas, trocamos sonhos, aprendemos mais sobre o outro e sobre nós mesmos.

Dando continuidade ao projeto

Alt text

Neste ano, em 2021, quando novamente recebi o convite para retomar esse encontro, não houve espaço para dúvida. Conhecendo minhas parceiras de turma, Arlene, Sonja, Mônica e Vanessa, falei por elas também, sabia que, como eu, se encantariam com a beleza desse intercâmbio. Acertei.

Novamente, poderia ter o privilégio de proporcionar aos meus alunos a boniteza dessa troca. Crianças de lugares tão distantes, que provavelmente jamais se conheceriam, poderiam se falar, trocar histórias, bater papo. O encantamento me atravessou, nos atravessou. Projetos como esse dão sentido ao nosso fazer e nos fazem aprender junto. Aprender em comunhão, como dizia Paulo Freire,

Agora, já mais habilidosos com o uso da tecnologia, absolutamente necessária em tempos de pandemia, surgiam novas perspectivas. Quando contei para meus alunos, agora do 4ºano, que encontraríamos virtualmente crianças da Escola Jatobazinho lá do Pantanal, a curiosidade tomou conta da sala de aula. Para que pudéssemos conhecê-los um pouco mais, passamos o vídeo institucional da escola e logo, muitas questões se colocavam: “Como eles chegavam de barco? A escola deles parece o NR [Acampamento Nosso Recanto]. Olha lá, eles têm horta. Será que sentem saudades dos pais?”

Logo percebi que estávamos no caminho certo. Se era nosso desejo que essas crianças compartilhassem experiências, vivências e elementos da cultura, respeitando a diversidade cultural e valorizando diferentes formas de vida, deveríamos continuar a ouvi-las e dar espaço para que dessem vida a essa troca.

A partir daí começamos a colher os frutos dessa beleza. E quando eu me refiro a frutos, não faço apenas metaforicamente. Muitas perguntas e curiosidades surgiam sobre a horta cuidada pelas crianças da Jatobazinho. “E a nossa?” – perguntavam as crianças. Nosso novo campus tem muito espaço.

Verdade. Tem espaço e mais do que isso, tem o desejo que mora em nós. Desejo de dar vida a esse espaço. Do contrário de nada valeria o espaço. Não por acaso, acho eu, estudávamos dois conceitos nas aulas de Ciências: transformação e interdependência. Viver o passo a passo de uma criação de horta era mais do que bem-vindo. Estudar fotossíntese, transformações físicas, químicas, sustentabilidade… não poderia ter contexto melhor!!!!

E olha que estamos só no começo, hein. Nosso primeiro encontro com os meninos e meninas da Jatobazinho veio regado de questões sobre a horta. “Como cuidavam? O que precisava para começar? Vocês comem os alimentos que plantam? Usam agrotóxicos? E o lixo orgânico, pode ser aproveitado na horta? Como faz a compostagem?”

Pronto. Nossos consultores de cuidado com a horta e natureza estavam contratados. Os meninos da Jatobazinho começaram a contar suas experiências e na minha sala, um silêncio enorme revelava o que sentiam. Queriam ouvir. Aprender com as crianças que de tão longe, nos ensinavam tanto. Alt text Para além das questões sobre as hortas – de lá e de cá, muitas outras da rotina surgiam. Tínhamos tanto a saber. O desejo de conhecer o mundo traz uma beleza e uma cor para a vida, aquece o coração…

E depois disso? Há muita coisa por vir.

Vamos filmar os diferentes espaços da nossa escola e compartilhar essas imagens em um mural virtual. Aqui, todos também estão curiosos por conhecer mais os espaços da Escola Jatobazinho: aquela lindeza daquele espaço rodeado pela natureza.

Quanto a nossa horta, começamos. Medimos o perímetro e a área, consultamos a melhor época para o plantio de algumas hortaliças, mexemos na terra com as mãos para que pudéssemos sentir a vida que está por nascer. A transformação já começou.

Achamos que muito há por vir… Que essa troca continue nos surpreendendo e ensinando tanto. Ideias temos muitas: podemos trocar receitas de comidas típicas? Ouvir e contar histórias uns para os outros? Quais brincadeiras eles mais gostam?

Entendo que essa é a verdadeira Pedagogia da Esperança. Segundo Paulo Freire, “a multiculturalidade se constitui na liberdade conquistada, no direito assegurado de mover-se cada cultura no respeito uma da outra, correndo risco livremente de ser diferente e crescendo juntas” (FREIRE, 1992, p. 56).

Tatiana Queiroz

Professora na Sphere International School desde 2008 e autora dos materiais didáticos da Sphere utilizados no Ensino Fundamental Anos Iniciais. Licenciada em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (USP), com especialização em Alfabetização e Mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Atualmente, trabalha com o quarto ano do ensino fundamental e formação de professores.